Passando
e não passeando por Lisboa, pelo Porto e pelo Algarve, lendo ou
ouvindo as notícias, é grande a satisfação nesta Páscoa por
estarem as cidades e as serras, as terras e as praias apinhadas de
multidões de turistas nacionais e estrangeiros, que preenchem a
capacidade hoteleira, como dizem os entrevistados, a 100%, ou mais.
Para
estes a mais estão a ser construídos de raiz, ou adaptados a partir
de antigos edifícios, hotéis de todas as estrelas, (já não há
pensões), hosteles,
habitações de turismo temporário, parques de campismo. Todos os
dias chegam aos portos mastodontes que flutuam com arranha-ceús no
lombo, carregados de turistas na versão de cruzeiro. As revistas da
especialidade, nacionais e estrangeiras, premeiam Portugal como o
melhor destino turístico do mundo. Lisboa, Porto, Coimbra, Évora,
Braga, mas também a Nazaré, Viana do Castelo, Idanha a Velha,
Belmonte, a Guarda, Beja, Monsaraz, Mértola e Alcoutim, sem esquecer
Óbidos e Sintra, Cascais e Peniche são destinos que ninguém pode
perder. Já vi escrito e fotografado que Portugal tem a melhor praia
do mundo, a melhor paisagem do mundo, a melhor gastronomia do mundo…
até o melhor jogador de futebol do mundo. O desemprego, a
desigualdade, o abandono escolar e o dos velhos, a precariedade, o
salário mínimo… infelizmente, se não são dos piores do mundo,
são dos piores da Europa. O turismo aproveita o melhor do mundo para
os turistas e deixa o pior do mundo para os indígenas. O
colonialismo baseou-se exactamente no mesmo princípio de trocas
desiguais!
A
propósito de gastronomia, não há dia em que não seja anunciado um
evento gastronómico, da alheira à empada, do choco ao bacalhau, do
chocolate aos ovos batidos em clara, do bolo rainha à amêndoa
tostada, da francesinha ao coirato, do caldo verde às migas, da
lampreia às enguias, dos maranhos aos túbaros, das cadelinhas às
iscas, do camarão ao lingueirão. Não há espécie vegetal e animal
que escape a um festival gastronómico! Estamos como os chineses:
tudo o que está debaixo do sol é para comer e festivalar. O
problema tem sido escoar o porco nacional, o leite nacional, ou
andamos a comer pouco ou andamos a importar demais! Em português do
Brasil, Portugal virou estância de férias! Ou um arraial
Não
quero ser desmancha-prazeres, mas tenho a vetusta idade que me
permite conhecer um pouco de história do meu país, pelo menos do
passado recente e alguma coisa da de outros povos. Talvez não
sejamos diferentes e esta febre do turismo seja provocada pelo vírus
da estirpe que provocou a febre do ouro e infetou milhões de
emigrantes europeus que embarcaram, febris para o Eldorado da
América. Os pesquisadores do ouro acabaram como desempregados e não
como milionários, excepto os que, como os avós de Donald Trump, o
candidato a presidente, se aproveitaram da febre do ouro para
explorar os crentes, abrindo pensões, bares e casas de alterne para
os pesquisadores afogarem em álcool e sexo o desespero pelas minas
que fechavam mal se esgotava o veio esgravatado pelas multidões que
se abateram sobre ele.
Estas
febres só servem para os que aproveitam a maré enquanto ela enche e
saem mal começa a descer. Em Portugal já passámos por várias
febres, mas nenhuma com a dimensão desta do turismo. Recordo a febre
das croissanterias,
das lojas de aluguer de vídeo, dos plantadores de peras, de
morangos, de Kiwis, dos tupaweres,
dos apartamentos e das viagens em timesharing, das
férias a prestações em Benidorm, dos investimentos na bolsa do
capitalismo popular de Cavaco Silva, que ele se encarregou de
dinamitar quando anunciou que andavam a vender gato por lebre. Por
acaso os vendedores eram os seus amigos do BPN! Esses safaram-se.
Compreendo
que quem não tem cão caça com gato. Portugal nunca foi um país de
indústria nem de agricultura desenvolvida, foi sempre uma sociedade
de comércio e aventura. Mas, a partir de Pombal, lá se foi criando
um aparelho produtivo que resistiu até aos meados dos anos 80. O
soarismo da Europa connosco e o cavaquismo do dinheiro fácil,
destruíram o aparelho produtivo com o verdadeiro programa da União
Económica: colocar os países mais pequenos e frágeis a restituir
os empréstimos aos prestamistas com juros à cabeça e criar uma
dívida em permanente crescimento, através da sempre maior
necessidade de importações, resultante da sempre maior destruição
da capacidade de produzir internamente. Dinheiro barato e fácil para
poder dizer ao pagode: importar é mais barato que produzir! O futuro
está nos serviços, diziam comentadores tão conceituados como os de
hoje, sendo que alguns são os mesmos. O objectivo era absorver os
desempregados da indústria e da agricultura, atomizando a força de
trabalho, fazendo do desempregado um patrão entregue à sua sorte –
os serviços assentam em micro empresas, empresas familiares,
trabalhadores precários, logo baixos salários, baixos custos
sociais, pequenos investimentos bancários, mas muito
desmultiplicados, o que diminui o risco. O típico menu do
liberalismo. Onde havia um operário ou um agricultor, passou a
existir um dono de café-restaurante, um vendedor de pipocas, uma
rapariga da vida com anúncio no jornal e número de contribuinte.
A
febre do turismo, tem todas as condições para ser mais uma ilusão
e causar mais um desastre económico e social. Como estamos
empenhados, vendemos barato. Vendemos tudo barato, o trabalho, que é
servil e precário, os terrenos, o património, e, principalmente,
vendemos, ou alienamos o que resta de qualidade. A gastronomia, por
exemplo. É evidente que a gastronomia dos locais para turistas só é
boa para os turistas. Quando eles se aperceberem que, na maioria dos
casos, estão a comer mal e porcamente, deixam de vir. Quando o nosso
património estiver tão vulgarizado que já não haja multidões
para ver os Jerónimos ou a Torre de Belém, deixam de vir.
O
turismo é a mais frágil das actividades económicas, porque está
dependente do bom funcionamento das economias dos países a montante,
que produzem bens e serviços reais. Está dependente dos que
fabricam automóveis, motores, aviões, computadores, dos que extraem
e exportam matérias primas essenciais, dos cereais ao petróleo, dos
que lhes acrescentam valor. Está dependente de casas demasiado
aleatórias, um atentado, um cataclismo, uma epidemia, por exemplo. O
turismo devia ser uma actividade complementar na economia nacional, e
não a actividade principal.
A
atual febre do turismo, com a qual todos os agentes indígenas
parecem tão contentes, assenta – para piorar as perspectivas –
no turismo de massas – pacotes baratos, viagens low
cost, hotel
com preços esmagados, circuitos turísticos padronizados. Este
modelo funciona em Londres, em Paris, em Roma, um pouco em Berlim, em
Nova Iorque, em São Francisco, mas não pode funcionar em Portugal,
que tem mais ou menos a mesma população, mas é um país disperso
por 89 mil quilómetros quadrados, enquanto essas metrópoles são
pontos de atração concentrados e instalados no topo da cadeia de
geração de riqueza de potências como a Grã-Bretanha, a França, a
Alemanha, a Itália ou os Estados Unidos.
Bastará
um agravamento da crise na Europa e nos Estados Unidos – e ela é
tão provável – e os turistas desaparecem de um dia para o outro,
com muito maior velocidade do que aquela com que chegaram Então,
infelizmente, ouviremos os mesmos que hoje estão encantados a carpir
mágoas e a baixar ainda mais os preços, a despedir, a diminuir a
qualidade, a pedir apoios… com os tuk tuk a enferrujar, os bares e
mini bares encerrados, os jovens que se meteram na aventura de abrir
um restaurante a emigrarem.
Portugal
está na moda, mas todas as modas passam de moda. O turismo tem pés
de barro e devíamos encontrar alternativas para ele antes de
desabar…
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